sábado, 4 de abril de 2009

Nossa história

Estava a ler os votos dos ministros do STF sobre a demarcação das terras indígenas em Roraima.
Enfim, ao ler seus argumentos, sobre a necessidade de preservação da cultura dos povos indígenas, de sua necessidade de grandes extensões de terra para a garantia de sua subsistência e por aí afora, percebi uma visão romantizada da vida e dos costumes indígenas.

Quantas das pessoas que discutiram e decidiram a questão já visitaram e passaram uns dias numa aldeia indígena?

Não posso falar das comunidades indígenas da região norte do Brasil, mas posso falar do que acontece nas aldeias do Mato Grosso do Sul, onde já se iniciaram estudos para demarcação de terras. Eles vivem em condições de quase miséria, apesar de possuírem terras para plantar, viajam diariamente para a cidade para trabalhar, e a razão é simples: seus filhos não querem apenas milho e mandioca, eles querem experimentar as delícias industrializadas que vêem na televisão, querem ter aparelhos celulares e roupas “urbanas”. Como a cidade é por vezes distante da aldeia, e eles não tem muita formação escolar, no Mato Grosso do Sul muitos trabalham nas usinas de álcool, começam a beber e tem sérios problemas com alcoolismo, o que apenas aumenta as dificuldades na vida das aldeias, como os inúmeros casos de assassinato, suicídio e morte de crianças, tema bastante noticiado pela imprensa.

Em virtude de tradições arcaicas, nas aldeias os homens são os primeiros a comer e as crianças as últimas. Sua alimentação é limitada, eles dependem das cestas básicas fornecidas pelo Governo Federal e do pouco dinheiro que ganham em outros trabalhos.

Do que essa população realmente precisa, de terras ou de dignidade?

Não estamos mais no século XVI, e querem prender essas pessoas ao passado fere a sua dignidade. O Estado deve propiciar condições para que os indígenas possam fazer uma transição sem traumas. É possível preservar sua história, sua comida, seu artesanato, sua língua enfim, sua cultura e seu orgulho, sem estardalhaço. Basta boa vontade política. A quem interessa que tais pessoas vivam em tanto sofrimento, que suas crianças vivam sem oportunidades?

Por exemplo, na cidade de Campo Grande, é possível ter contato com índias que saem de suas aldeias diariamente para vender milho, feijão, pequi e outros produtos. São mulheres maravilhosas, esforçadas, muito trabalhadoras, que sonham com uma vida melhor e com mais oportunidades para sua família. Elas deveriam ser as primeiras a serem ouvidas em toda essa discussão, pois tem muito a nos ensinar, podem nortear o trabalho de transição pacífica para uma inclusão social com respeito, amor e dignidade.

Fala-se tanto em preservar o patrimônio e a cultura indígena, porque não começar documentando sua vida, sua língua e sua história, em vídeo e em livros?
Quem está fazendo isso? Quem teria coragem de abdicar de sua vida confortável para fazer um trabalho nas aldeias, anotando suas histórias, seus costumes, suas receitas e rituais, suas festas e lazeres?

Há alguma universidade fazendo isso?

Há livros contando como é a vida nas aldeias de Dourados?

Todo mundo faz curso de inglês. Alguém já tentou se matricular num curso de guarani? Se já tentou, sabe a dificuldade de encontrar cursos sobre línguas indígenas.

Quantas comemorações durante o ano nos remetem a alma indígena? Ah, sim, tem o dia do índio...

Isso sim é preservar a cultura e a memória de um povo. Sem hipocrisia.

Já imaginou se, para preservar a história de Roma, as pessoas lá tivessem que viver como em 50 a.C, presas ao passado?

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