sexta-feira, 22 de junho de 2012

Documento final da Cúpula dos Povos

Infelizmente, a Rio+20 se revelou um fracasso total.
Não considerou superar a visão antropocêntrica, mantém o humano no centro do seu entendimentos, e reduz os demais seres a natureza ao status de criaturas inferiores.

O pior de tudo é que nem o Bicho Homem eles foram capazes de ajudar, pois não nenhum país assumiu qualquer compromisso concreto em favor do desenvolvimento sustentável.

A Cúpula dos Povos, movimento que reúne diversas entidades e simpatizantes da causa, obviamente enxergaram esse fracasso. No entanto, a Cúpula é um evento paralelo, ou seja, seus participantes não possuem influência alguma nas discussões "oficiais" da Rio+20. Eles literalmente ficam do lado de fora.

Apesar disso, realizaram diversas discussões e produziram um documento, reproduzido a seguir. Pois o sonho continua, e sonho que se sonha junto vira realidade.

Movimentos sociais e populares, sindicatos, povos e organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, vivenciaram nos acampamentos, nas mobilizações massivas, nos debates, a construção das convergências e alternativas, conscientes de que somos sujeitos de uma outra relação entre humanos e humanos e entre a humanidade e a natureza, assumindo o desafio urgente de frear a nova fase de recomposição do capitalismo e de construir, através de nossas lutas, novos paradigmas de sociedade.
A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores, famílias e camponeses, trabalhadores, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e religiões de todo o mundo. As assembleias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos foram os momentos de expressão máxima destas convergências.
As instituições financeiras multilaterais, as coalizações a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferência oficial. Em contraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro.
Há vinte anos o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema econômico-financeiro.
As múltiplas vozes e forças que convergem em torno da Cúpula dos Povos denunciam a verdadeira causa estrutural da crise global: o sistema capitalista patriarcal, racista e homofóbico.
As corporações transnacionais continuam cometendo seus crimes com a sistemática violação dos direitos dos povos e da natureza com total impunidade. Da mesma forma denunciamos a dívida ambiental histórica que afeta majoritariamente os povos oprimidos do mundo, e que deve ser assumida pelos países altamente industrializados, que ao fim e ao cabo, foram os que provocaram as múltiplas crises que vivemos hoje.
O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitário sobre os recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessários à sobrevivência.
A dita "economia verde"é uma das expressões da atual fase financeira do capitalismo que também se utiliza de velhos e novos mecanismos, tais como o aprofundamento do endividamento público-privado, o super-estímulo ao consumo, a apropriação e concentração das novas tecnologias, os mercados de carbono e biodiversidade, a grilagem e estrangeirização de terras e as parcerias público-privadas, entre outros.
As alternativas estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemônico e transformador.
A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economia cooperativa e solidária, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética, são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial.
A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do "Bem Viver" como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores e povos.
Exigimos uma transição justa que supõe a ampliação do conceito de trabalho, o reconhecimento do trabalho das mulheres e um equilíbrio entre a produção e reprodução, para que esta não seja uma atribuição exclusiva das mulheres. Passa ainda pela liberdade de organização e o direito a contratação coletiva, assim como pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes.
Afirmamos o feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito de uma vida livre de violência. Da mesma forma reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.
O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma de sociedade.
Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo energético está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações.
A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas contra hegemônicas ao sistema capitalista que estão em curso em todos os cantos do planeta. Os processos sociais acumulados pelas organizações e movimentos sociais que convergiram na Cúpula dos Povos apontaram para os seguintes eixos de luta:
Contra a militarização dos Estados e territórios;
Contra a criminalização das organizações e movimentos sociais;
Contra a violência contra as mulheres;
Contra as grandes corporações;
Contra a imposição do pagamento de dívidas econômicas injustas;
Pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural;
Pela soberania alimentar e alimentos sadios, contra agrotóxicos e transgênicos;
Pela garantia e conquista de direitos;
Pela solidariedade aos povos e países, principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais, como está ocorrendo agora no Paraguai;
Pela soberania dos povos no controle dos bens comuns, contra as tentativas de mercantilização;
Pela democratização dos meios de comunicação;
Pelo reconhecimento da dívida histórica social e ecológica;
Pela construção do Dia Mundial de Greve Geral;
Voltemos aos nossos territórios, regiões e países animados para construirmos as convergências necessárias para seguirmos em luta, resistindo e avançando contra o sistema capitalista e suas velhas e  renovadas formas de reprodução.

P.S.:
Eles propõe um dia mundial de greve geral. A idéia é ótima, além de nos proporcionar o merecido descanso, representaria um dia a menos de produção e exploração desenfreada dos recursos naturais. Gaia agradece.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Novo Código Florestal


Desde o final de 2011 muito tem se falado na imprensa sobre o projeto de lei que pretende  instituir o novo código florestal. Há muita polêmica, setores da sociedade defendendo seus próprios interesses, e fica a pergunta: quem realmente está falando a favor do meio ambiente?

As águias decidiram finalmente se manifestar sobre o assunto. Vamos expor aqui a nossa opinião, afinal de contas, a internet nos oferece uma oportunidade de comunicação com o mundo que deve ser aproveitada.

Em primeiro lugar: que projeto de lei é esse?

O projeto de lei que se encontra em discussão hoje foi apresentado em 1999 pelo então deputado federal Sergio Carvalho, filiado ao PSDB. Médico e nascido no estado do Paraná, o político não pôde acompanhar as discussões que vem envolvendo o código, pois faleceu em 2003, aos 48 anos, vítima de câncer na bexiga.

É possível acompanhar toda a história da tramitação do projeto de lei no site da Câmara dos Deputados: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=17338.

Neste ponto, vale a primeira ressalva. O projeto nasceu em 1999, foi discutido pelos deputados e senadores até 2012, ao ser votado. São nada menos do que 13 anos. Por que um tema tão relevante para o país só ganhou destaque nos últimos 6 meses?

Tal constatação serve de alerta para tod@s nós, cidadãos: não basta elegermos nossos representantes, precisamos acompanhar seu trabalho, e como seu voto, suas manifestações, vem influenciando o nosso cotidiano. Hoje é muito fácil fazer isso pela internet, ela nos fornece os dados sobre nossos representantes, os projetos de lei que estão sendo discutidos e votados, o site da Câmara é muito interessante, vale a pena acessar e acompanhar as notícias. Tem ainda o acompanhe o seu deputado, já citado por aqui.
Enfim, não  adianta chorar o leite derramado depois, é preciso acompanhar os projetos já!
Voltando...

Toda a história do projeto pode ser conhecida no site da Câmara, então não vamos repetir aqui.
Vamos ao código.

Em visita ao site do Planalto, é possível observar que a lei 4771/65, que traz o atual Código Florestal, já traz a informação “Revogado pela Lei nº 12.651, de 2012.” Para verificar, siga o link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771.htm .

No entanto, tal informação não condiz com a realidade, pois muito embora a nova lei tenha sido aprovada pelo Congresso, ela ainda não entrou em vigor, pois com os vetos a alguns artigos, realizados pela Presidência, o projeto de lei voltou novamente ao Congresso e será submetido a nova votação.
E para tornar o tema ainda mais interessante, a presidente da república editou uma medida provisória sobre o assunto!

Na humilde opinião destas águias, esta medida provisória não foi feliz. E não por falta de boa vontade. Mas por representar um desrespeito à ordem institucional.
O Brasil adota o princípio da separação dos poderes em três: executivo, legislativo e judiciário. Ao Poder Legislativo, cabe a feitura das leis. E não ao Poder Executivo, no caso, a Presidência da República.

Se a presidência entende que determinado projeto de lei possui artigos inadequados, cabe a ele manter um diálogo com sua base de apoio no Congresso, para que eles promovam as emendas necessárias, e não fazer uso de um instrumento que só deve ser usado em situações excepcionais. Afinal de contas, o Executivo não legisla, quem legisla, o nome já diz, é o Poder Legislativo. São os vereadores, deputados estaduais e federais, e os senadores.

Portanto, temos aqui, inicialmente, duas críticas:

- o Planalto não pode considerar o atual Código Florestal revogado, já que o novo ainda entrou em vigor;

- a constituição federal prevê apenas o veto do presidente da república, não traz a possibilidade do presidente acrescentar dispositivos. Eis o teor do artigo 66 da Constituição Federal:

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.
§ 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.
§ 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

CUIDADO:  o tema, a primeira vista, pode parecer irrelevante. Ademais, que problema há no presidente alterar a lei para proteger o meio ambiente. Acontece que o problema não é esse, não é a questão ambiental, mas sim a brecha que essa conduta abre para que outros presidentes, no futuro, façam uso de medida semelhante em outros temas, como por exemplo, impostos, crimes, processo eleitoral, etc.

Lembrando que este blog é apartidário. Temos compromisso apenas com a Verdade.

fontes: 
imagem: http://imgms.alexandria.abril.com.br/3/imagem-maior-do-site-590x393-th3x.jpeg